terça-feira, 30 de abril de 2013

Suplicante

Procuro-Te na noite, nas árvores, no lixo
Eis soberano de tudo e todos?
Democrático ditador de nossas vidas
Que desenrolam-se sob o viés de tua ira
Te absorvo com meu rosto ao sol
E engulo-Te como quem precisa de ar
Esqueces dos Teus filhos?
Tens Filhos?
E quem sou eu que me duvido de Ti?
Me abro, retalho, busco compreensões...
Aguardo na janela dos carros
Nos selins de bicicleta
Nos deselegantes braços preguiçosos do relógio
Responde!
Atende!
Suplico e só o que recebo é tua injustiça
Em capas de vinte e cinco centavos
Dá-me sentido pro que sinto
Dá-me enervância diante do que vejo
Quão pouco posso fazer
Quão grandes podem falar
E eu tendo que fechar os olhos
Pra não matar tudo aquilo que vejo
Fazer morrer.

Simpatia

Deixe um nome, uma saia e um pente
Escreve no papel o nome do pretendente
Se estiver longe sussurre pro ar o dito amado
Para que na brisa do vento se sinta tocado

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Universalizando

Tá implícito na sua voz
Qual é a próxima desculpa?


Na solidão dos dias amava as coisas fugazes
Sorria por entre olhares
E criava desenhos em nuvens de algodão.

Pintava as unhas de cor carmesim
Afiava suas garras com planos sem fim
Soltava a voz em sambas de Orly

Sentia saudade mas calava
Sofregar seus desertos não lhe traria nada
O conhecimento poderia ser o novo

Um ser de outrora esquecido pela fumaça
Amargo de mágoa que hoje podia respirar
Cantando sambas de Orly

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Partindo

Sinto muito pelo que aconteceu, mas é a vida que segue.

Samira fez 4 anos ontem, assim como faz 4 anos que nossa amiga fez a passagem. Eu precisava escrever, porque sei que no fim das contas só o que nos restou em comum foi não tê-la mais entre nós. Há um segredo que ela me confidenciou e pediu que quando sentisse necessário lhe repassasse. Aconteceu, sou eu quem está doente agora, e assim como fez Alice, peço que conte a alguém quando achar preciso.
Lembra aquele último dia no hospital, depois de tantos meses a gente acaba se acostumando as coisas, aquela rotina entre médicos, remédios e enfermeiras mau humoradas, até a comida sem graça já nos era comum. Naquele dia Alice me pediu que deitasse do seu lado na cama e foi o que fiz, não havia muito o que fazer, já estávamos cientes de seu estado e pedíamos o milagre de sua vida, apesar de saber que talvez só orações não fossem o suficiente, ela partiria a qualquer momento.
Você chegou cheirando lavanda, eu detesto lavanda, me retirei, fiquei no corredor esperando o que esperar, poucos minutos depois você saiu, passos compassados se afastando e se desabou a chorar. Lembro de tentar imaginar como teria sido a conversa de vocês duas, me odiei por isso mas, sabe aquela leseira de ciúme entre amigas? Pois é! Me arrastei até o banheiro com todo o peso de minha barriga, lavei o rosto, fiz minha melhor cara de otimista, entrei no quarto falando pelos cotovelos, Alice me cortou com seu último pedido e foi como se soubesse da besta fera verde que estava em mim disse:
"Gina e eu não trocamos nenhuma palavra, não foi necessário. A questão é que você só sabe que tem uma pessoa realmente especial consigo quando consegue dividir com ela um momento de silêncio que já diz tudo."
Ela fechou os olhos e se foi. Minha bolsa d'água estourou e quatro horas mais tarde havia Samira em meus braços, e naquele exato instante eu soube do que era que ela falava, foi a melhor coisa que já me aconteceu.
Você foi o silêncio dela, eu sei e você deve saber disso. Se deixo algo aqui é o que te digo, deixo meu silêncio a você.

Palavreando

A maior dor do poeta é tentar traduzir em versos o indizível, aquilo que permeia, que se sente não se vê, tampouco se toca, se nota e só. Como aquele friozinho na barriga, como aquela pontada de uma mágoa de relance, como um "oi" no meio da rua ou uma troca de telefone com a menina dos sonhos... É o indizível que torna tão atraente a vida e o desafio de pobres mortais em traduzi-la em míseras palavras.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Cartas antigas tem seu devido valor

"Segura minha mão e olha pra frente comigo"

Exasperado... Não amola, ainda tenho este gosto na ponta da língua!

Era sobre isso que falava, te disse da solidão, te disse da maldade e do quanto é fácil se deixar ser usado. Você foi inocente demais onde deveria ser safo, ainda tentou ser esperto onde sua malandragem ainda não alcançava. Eles não vão rir pra você e sim de você e isso te deixará marcas, aliás já deixaram né? Eu sei que ele foi conversar contigo, sorriso aberto, um novo a mudar tua perspectiva e mudou pelo visto. Tê-lo tratado mal te deixou com esta ruga entre a sobrancelha, não pensas outra coisa desde este dia. Sabe, a vida dele continua como se nunca houvesse falado contigo, mas você já é outra pessoa, e é por isso tem que tem despertar! Acordar pra vida, comprar um tênis, fazer a barba de vez em quando é bom, e no seu caso, já é um começo. Estou viciado em toffes de caramelo, acho que nenhum vício é bom, mas quer saber tá na hora de você arranjar um também, esquece essa vida geek! Tecnologia da informação? Sei não, acho coisa de gente agorafóbica, vai beber, vai conhecer gente, compra um poodle, eu ouvi dizer que gays adoram poodles, ou sei lá tô inventando porque não gosto de te ver assim, mas um bichinho é uma boa. Sai vai distribuir amor, saca? Tipo quando tia Lúcia estava deprimida e fazia aquelas paradas gigantescas no cabelo, era bonito de se ver e onde ela passava as pessoas sorriam. Faça você a piada que o mundo pede e não deixe que o mundo faça piada de você. Eu tô longe, mas eu tô aqui!

Abraço

Fernando Mendonça

26/10/1994



On

"Poderia escrever milhões de coisas para celebrar este momento, mas a simples descrição é o suficiente."

As 06:47 acordou, circulou os olhos ao redor, não entendeu o dia, deitou-se de novo. Passaram-se vinte minutos, sentou-se na beira da cama e estranhou o que estava sentindo ou seria o que havia deixado de sentir, respirou paulatinamente aquela manhã. Foi viver. Ligou o rádio, comeu, tomou banho e se deteve em uma e outra música. Era sua sacra rotina de sempre, exceto por uma coisa: o aperto.
Deu-se conta, levantou de seu estado de torpe percebendo que hoje não sentia dor, a sensação ruim havia se ausentado, o buraco se fechou no momento em que abriu os olhos. A presença dela não lhe havia feito falta, o vácuo deixado por ela não estava mais presente. Ele estava só, nem se importou com isso, estava são. Parou, pegou uma xícara de café e de tão aliviado foi sentar-se para comemorar chorando lá fora. Estava liberto, agora poderia seguir sua vida.
Era exatamente este "aperto" que ela não sabia o que era, que mais o mortificava principalmente por ela não entender seu significado, era justamente esta dor que a ela não importava que o fazia tão triste, mas havia sumido, evaporou como mágica. Era a primeira manhã em anos que ele acordava sem nada a mais ou nada a menos, apenas ele mesmo pronto para seguir. A xícara de café caiu de suas mãos. "Puta que pariu!" soltou o palavrão e deu-se conta de outra coisa: estava pronto para se apaixonar de novo.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Às cinco

Ele: Vejo que estás bem, tens tomado sol?
Ela: Tens ficado louco?
Ele: Olha a educação, não se respondem perguntas com outras perguntas.
Ela: Sou educada demais para responder a isso.
Ele: Como assim? Por que ficaste tão brava?
Ela: Pela simples lembrança de teu tapa, do palavrão engolido a seco e dos botões na camisa de Elias.
Ele: Amarguras um tapa dado há tanto tempo, por que não podes esquecer isto?
Ela: Os botões ainda estão lá em casa, teu cheiro ainda está lá em casa, tua falta ainda se faz presente lá em casa, tudo está na maldita casa, tudo menos tu, homem desgraçado!
Ele: Então é assim que me dizes que tens saudade...
Ela: Não! É assim que digo que me acostumei com a tua falta!
Ele: De fato louca.
Ela: De fato! Agora volta pra dentro do bule fumegante que o café está pronto.

Sem tempo...

Haviam dois trabalhos e um terceiro, secular. Haviam dias que pareciam segundos, haviam prazos, projetos e planos, pressões do chefe, da chefe, da faculdade. Tudo num emaranhado cronograma complicado de explicar como era possível existir. Mas haviam dias singulares e escassos que ele chamava de seu. Jogava palavras soltas consigo mesmo e prendia-se a deliciosa sensação de gozar do seu egoísmo, perdia-se de todos, telefones desligados, fora das redes sociais, ele se agarrava a livros de vintém, imaginava "ses" pra sua vida e se masturbava com mulheres impossíveis, e de preferência com pequenos seios. Não era de grandes luxos, mas luxava de sua própria companhia que lhe bastava e abastava dos dias de cão de sua lida, dos problemas de família e daquele móvel na casa que nem por decreto se endireitava. "O mais era morte e somente morte". Necessitava sentir algo, qualquer coisa, ansiava por isso, um botão que fizesse clique e despertasse sua consciência da fadiga, da alienação, da novela das oito, das mulheres frígidas que o cercavam e de sua própria frigidez de alma. Sentou-se na beira da banheira, abriu as torneiras e encheu-a até as bordas, fumou um cigarro, tomou um profundo e seco gole de vinho, gargarejou e engoliu, despiu-se, entrou seu corpo pequeno e trépido na água, afundou-se aos poucos, como quem se despede da sorte, como quem pragueja a vida, submergiu sem tempo para mais nada, abriu os olhos e nunca mais os fechou.